13 de março de 2012

CONTROLE INTERNO E IMPARCIALIDADE: O PAPEL DA CORREGEDORIA NA PROTEÇÃO INTEGRAL DO ADOLESCENTE - 2a Parte


Olá caros leitores, como prometemos aqui está a 2ª parte do texto:

CONTROLE INTERNO E IMPARCIALIDADE: O PAPEL DA CORREGEDORIA NA PROTEÇÃO INTEGRAL DO ADOLESCENTE

3. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O princípio da dignidade da pessoa humana, no que se refere aos diretos individuais consagrados pela Constituição de 1988, foi erigido como um dos princípios fundamentais da nossa República. Desta forma, a Constituição de 1988, em seu artigo 227, insculpiu a doutrina da proteção integral como instrumento essencial para a promoção do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Ato contínuo, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (doravante ECA), em consonância com os princípios antes referidos, instituiu uma nova política de atendimento à criança e ao adolescente, sendo que tais políticas, de uma forma geral, compreendem o conjunto de ações destinadas ao amparo de crianças e de adolescentes que, face à condição especial de vulnerabilidade social, são credores de estratégias de atuação que extrapola as possibilidades de ação eficaz das políticas básicas. (TAVARES, 2010: 330)
Tavares (op. cit.: 331) ensina que essa nova política de atendimento à criança e ao adolescente tem suas estratégias consubstanciadas em programas de atendimento, as quais têm como público alvo:
  1. crianças e adolescentes em situação de risco que, em razão desta circunstância, são destinatários de programas de proteção;
  2. adolescentes envolvidos na prática de atos infracionais, incluídos em programas voltados a execução de medidas socioeducativas determinadas judicialmente, observadas as normas procedimentais apontadas nos arts. 171 a 190 do ECA.
O ECA estabelece já em seu artigo 1º que seja destinada proteção integral à criança e ao adolescente, destacando que a proteção à criança e ao adolescente só pode ocorrer de maneira integral sob pena de ser infrutífera. Messeder (2010: 09) assinala que, em contraponto com as disposições contidas no antigo e revogado Código de Menores (Lei nº 6.697/1979), a proteção integral encontra fundamento já no art. 227 da Constituição Federal de 1988 que subleva as crianças e adolescentes à mera condição de bem/objeto.
Assim sendo, é dever da Administração Pública zelar, de forma ainda mais contundente, pelo efetivo cumprimento do princípio da proteção integral àqueles adolescentes que se encontram sob sua tutela; vale dizer: a Administração Pública deverá garantir proteção integral a qualquer adolescente, em especial àqueles que se encontram sob a tutela do estado.
De acordo com a nova política de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei e que se encontram sob a tutela da Administração Pública, as medidas socioeducativas – como o próprio nome sugere – constituem alternativas no caminho da responsabilização e da ressocialização de tais adolescentes (cf. TAVARES, 2010: 346).
Ao conjugarmos a necessidade de um modelo de gestão pública que melhor atenda as políticas sociais – inclusive as de atendimento à criança e ao adolescente – introduzidas pela Constituição de 1988, o NOVO DEGASE tem como missão “promover socioeducação no Estado do Rio de Janeiro, favorecendo a formação de pessoas autônomas, cidadãos solidários e profissionais competentes, possibilitando a construção de projetos de vida e a convivência familiar e comunitária” 1.
Outrossim, à luz da legislação e doutrina pátria, a Lei Estadual nº 5.933, de 29 de março de 2011, “que dispõe sobre a reestruturação do quadro de pessoal do Departamento Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE”, estabelece serem atribuições do Agente Socioeducador:
1 – 7. omissis
8. Desenvolver tarefas, junto com as equipes técnicas que preservem a integridade física e psicológica dos adolescentes e dos funcionários no exercício das atividades internas e externas;
9 – 23. omissis
24. Zelar pelo companheiro de equipe, interagindo com fins de evitar qualquer violência ou agressão.
Assim, intolerável se torna qualquer ação que atente contra a integridade física e/ou psicológica dos adolescentes. Caso um servidor que integre o quadro de um órgão voltado à socioeducação cometa algum ato desta natureza, este servidor estará não só praticando conduta tipificada na legislação penal, mas também contrária às atribuições inerentes ao cargo que ocupa e às normas regulamentares previstas no Estatuto dos servidores públicos referente ao quadro funcional a que pertence.

4. O PAPEL DA CORREGEDORIA: DUPLA FEIÇÃO DO PODER DISCIPLINAR EM PROL DA PROTEÇÃO INTEGRAL DOS ADOLESCENTES

Não há como a Administração Pública fazer valer suas obrigações e seu objetivo máximo sem que sejam observados os princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência (art. 37, CRFB/1988).
Neste sentido, entende-se imprescindível um modelo de gestão administrativa por meio do qual seja exercido um controle interno eficiente sob os agentes que se encontrem dentro da esfera de poder de um determinado órgão público. O referido controle decorre da prerrogativa de autotutela que é conferida à Administração Pública, razão pela qual cabe a ela mesma invalidar ou revogar condutas ilegais ou inconvenientes praticadas por seus membros2 (CARVALHO, 2011: 1028).
Assim, a Corregedoria aparece como um dos instrumentos que promovem o controle interno no âmbito do DEGASE. O Decreto Estadual nº 32.137, de 06 de novembro de 2002, que “cria a Corregedoria interna do Departamento Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE”, dispõe in verbis:
Art. 2º - A Corregedoria Interna ora criada integrará a estrutura básica do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas - DEGASE, tendo as seguintes atribuições:
I - assessorar o Diretor do DEGASE, em matéria inerentes à Justiça e Disciplina;
II - instaurar procedimentos para apurar infrações disciplinares imputadas a seus servidores, aplicando, no que for de sua competência, as respectivas penalidades, ou, conforme o caso, remetendo à autoridade competente para a aplicação;
III - proceder a inspeções no âmbito do DEGASE, visando à regularidade do serviço; e
IV - promover as atividades de correição dos integrantes do DEGASE. (grifo nosso)
Desta forma, conforme já explicitado anteriormente, os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral do adolescente são os princípios norteadores do modelo de gestão a ser adotado pelos órgãos e entidades públicas responsáveis pelo atendimento a adolescentes que cumprem alguma medida socioeducativa.
A Corregedoria do DEGASE (doravante CODEG) adota uma linha programática norteada pelos princípios antes referidos e não se limita ao campo da mera repressão a desvios de conduta por parte de servidores. A CODEG atua também de forma preventiva, isto é, procurando evitar práticas que tenham o potencial de gerar danos às políticas públicas de atendimento a adolescentes infratores. A linha programática adotada está voltada para metas de gestão, produção, simplificação de procedimentos, e não mais para a burocracia do Direito (prazos dilatados, formalismo excessivo, produção de documentos desnecessários à elucidação dos fatos a serem apurados, entre outros).
Assim sendo, não só de acordo com o Decreto que a criou como também em consonância com o ordenamento jurídico vigente, a Corregedoria do DEGASE atua em detrimento do formalismo exagerado, fazendo prevalecer a busca pela verdade real. Outrossim, a CODEG opera fortemente na prevenção a qualquer ato que possa configurar-se lesivo à proteção integral do adolescente. A atuação da Corregedoria neste sentido dá-se por meio de ações de caráter didático, inspeções periódicas, correições e monitoramentos. Tem-se, portanto, que o papel da Corregedoria é o de orientar e instruir, sem, no entanto, esquecer de seu caráter fiscalizador.
A imparcialidade é exigida dos agentes públicos na gestão da res publica, na tomada de decisões ou no momento em que um ato for praticado. Isto posto, os agentes públicos “devem se manter equidistantes dos interessados e, sua atividade, tal qual a de um juiz, é subordinada exclusivamente à lei, a cujo império se submete como penhor de imparcialidade na condução do encargo que lhes compete” (MARTINS, 2009).
Neste diapasão, esta imparcialidade tem por fulcro o interesse coletivo, o qual só pode ser atendido mediante a aplicação de um modelo de Administração Pública orientada para resultados. Faz-se necessária, portanto, a implantação de uma gestão dinâmica capaz de obedecer a um conjunto de orientações estratégicas, bem como aos princípios norteadores de uma política eficaz de atendimento aos adolescentes e que esteja de acordo com ordem jurídica vigente.
No atual cenário por qual passam as instituições públicas em nosso país, surge com grande força uma questão: como exercer, de forma imparcial e eficaz, o controle interno dos agentes públicos? Em outras palavras: como um órgão ou agente público destacado para o exercício do controle interno deve agir para se manter imparcial no julgamento de seus pares? E mais: seria eficaz – senão adequado – o controle da função pública exercido por agentes públicos sobre outros agentes públicos do mesmo órgão?
Decerto que a imparcialidade desejada está intimamente ligada à questão anteriormente suscitada acerca do controle interno. O controle interno – ou controle administrativo – consiste na fiscalização que a Administração Pública exerce sobre suas próprias atividades. A finalidade deste controle é manter as atividades públicas em consonância com o ordenamento jurídico vigente e de acordo com as necessidades do serviço, bem como de acordo com os parâmetros técnicos e econômicos exigidos para uma determinada atividade. Assim, por meio deste controle, a Administração Pública pode anular, revogar ou alterar seus próprios atos, além de punir os agentes que, porventura, descumpram seus deveres e/ou obrigações.
O controle interno tem por objetivo, então, a desburocratização do serviço público e, por consequência, tornar os órgãos e entes públicos mais eficientes no cumprimento de suas funções. Uma gestão pública eficaz pressupõe, portanto, capacidade autogestão da Administração Pública; a autogestão dos órgãos públicos, por conseguinte, somente é alcançada por meio da autonomia da Administração Pública; autogestão e autonomia, por fim, implicam – e replicam – em um melhor gerenciamento da res publica.
Há que se entender forçosamente que autogestão, autonomia e eficácia constituem os pilares de um serviço público ágil, moderno e voltado para os interesses coletivos. Ato contínuo, o controle exercido por servidores do próprio órgão fiscalizado tende a ser não só mais eficiente como mais econômico. Os servidores que integram o órgão público fiscalizado possuem maior expertise para lidarem com as questões atinentes ao serviço público prestado, o que, por seu turno, acaba conduzindo à desburocratização dos procedimentos (fiscalizações, correições, processos disciplinares, entre outros), à maior celeridade na solução de problemas, além da adoção de medidas preventivas mais eficazes.
Dessa forma, sendo o controle interno mais econômico e célere no que diz respeito à prestação de serviços públicos, a imparcialidade daqueles que atuam neste controle é fundamental. Retoma-se, então, uma das perguntas anteriormente sugeridas: como um órgão ou agente público destacado para o exercício do controle interno deve agir para se manter imparcial no julgamento de seus pares?
A imparcialidade por parte daqueles que atuam no controle interno advém da necessidade de se perseguir a verdade real e, consequentemente, promover a justiça. Assim, sem que seja observada a imparcialidade, corre-se o risco de o controle interno “transformar-se em um instrumento de iniquidades, com distribuição de favores aos amigos ou poderosos e a imposição de danos e prejuízos aos inimigos ou desvalidos” (MARTINS, 2004). Nestes termos, a imparcialidade só há de ser alcançada mediante a fixação de preceitos objetivos a serem seguidos, afastando-se, ao máximo, a subjetividade quando da análise dos fatos em apuração.
Em processos administrativos disciplinares instaurados no âmbito do DEGASE e processados pela CODEG, busca-se, incessantemente, a imparcialidade necessária ao bom julgamento de supostas irregularidades. Dessa forma, durante a instrução dos processos, os servidores destacados para a apuração de possíveis desvios funcionais lançam mão de todos os instrumentos probatórios capazes de comprovar – ou não – a materialidade e autoria dos fatos em análise, quais sejam: resultado de exame de corpo de delito e outros exames periciais aplicados ao caso concreto, documentos, imagens (fotos e/ou vídeos), entre outros.
Evita-se, assim, a instrução e julgamento dos procedimentos baseados apenas em declarações dos servidores e/ou adolescentes envolvidos. Isto não significa dizer, no entanto, que tais declarações careçam de credibilidade e, por isso, mereçam ser descartadas; ou seja: essas declarações devem fazer parte – e não “estar acima de” – do conjunto suficiente de provas ao esclarecimento dos fatos trazidos à baila pela instauração de procedimento administrativo disciplinar. O que efetivamente se pretende é afastar a subjetividade na apreciação das provas. Frise-se, por oportuno, que a subjetividade aqui tratada refere-se àquela que pode pesar, por motivos pessoais, em favor de uma parte e/ou em detrimento de outra.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme dito no início do presente trabalho, o objetivo maior deste era explicitar não só os conceitos mais modernos acerca da gestão pública e controle interno, mas também refletir acerca dos alicerces sobre os quais se pauta a Corregedoria do NOVO DEGASE. O que se pretendia fundamentalmente era buscar formas e/ou instrumentos capazes de conduzir o processamento e julgamento de processos administrativos disciplinares com maior imparcialidade e transparência possíveis. Desta feita, foram analisados tanto os processos administrativos disciplinares sob a ótica da doutrina mais moderna, além dos princípios legais norteadores da política de atendimento aos adolescentes infratores. Ao conjugarmos os elementos antes descritos, foi possível realizar uma análise sobre a atuação da CODEG do NOVO DEGASE e, consequentemente, buscar novas formas para se alcançar a excelência na prestação do serviço público a que se destina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMIN, Andréa Rodrigues. (2010) “Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente”. In MACIEL, Kátia Regina F. L. Andrade (coord) Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, p. 3-10.



BRASIL, Luciano de Faria. (2004) “O direito administrativo disciplinar no âmbito do Ministério Público: contributo à compreensão crítica de seus institutos e conceitos”. In Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n.53, p.89-106.



CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. (2011) Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância: à luz da jurisprudência dos Tribunais e da casuística da Administração Pública. Ed. ver. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum.



CARVALHO FILHO, José dos Santos. (2010) Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. rev, ampl. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris.



MARTINS, João Barbosa. (2004) Do julgamento do processo administrativo disciplinar. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1525/Do-julgamento-doprocesso-
administrativo-disciplinar. Acessado em 18 de outubro de 2011.



MESSEDER, Hamurabi. (2010) Entendendo o estatuto da criança e do adolescente: atualizado pela Lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Elsevier.



TAVARES, Patrícia Silva. (2010) “A Política de Atendimento”. In MACIEL, Kátia Regina F. L. Andrade (coord) Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Júris.



Agradeço a preciosa colaboração, do Sr. Alexandre de Moraes Lessa, Corregedor do NOVO DEGASE e do Sr. Marcelo Alexandre Silva Lopes de Melo, Agente Socioeducador que abrilhantaram o Bula Jurídica e peço que continuem nos ajudando.
Caros Leitores caso queiram entrar em contato com os autores é só acessar um dos endereços eletrônicos abaixo: alessandrelessa@degase.rj.gov.br ou corregedoria@degase.rj.gov.br






Beijos para todos,



Fernanda C. e Fernanda F.

2 As Súmulas nº 346 e 473 do STF deixaram não só assentada a possibilidade de Administração revogar ou invalidar seus atos, como também identificadas as formas de desfazimento..

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